+ Dom Jaime Spengler
Arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre
A vida é dom e compromisso! É inerente ao ser humano desejar vida e vida em plenitude. Contudo, é sempre necessário buscar compreender o que significa viver. Usualmente, imaginamos que porque vivemos, já sabemos o que é a vida. E a partir desse pressuposto nos consideramos aptos a edificar e determinar todo relacionamento com as coisas, as pessoas e o mundo. Sentimo-nos seguros de nosso entendimento do que é viver e aptos a construir interpretações a respeito do modo de ser da vida até dos outros. A certeza manifesta-se tão vigorosa que alimentamos a certeza de distinguir o vivo do morto. Todavia não sabemos o que é o modo de ser da vida e nem em que consiste a essência da morte. Nesta situação, esperamos que a biologia, a sociologia, a psicologia, a antropologia, a neurociência etc. nos digam o que é a vida e em que consiste viver. Ora, a vida emerge e surge para depois eclodir, abrindo-se e se transformando para depois novamente retrair-se na morte. Por trás dos discursos seguros de seus argumentos em torno da vida e do viver, da liberdade e da dignidade humana, uma questão essencial é murmurada: mas o que é precisamente o ser humano? Em que consiste o humano do ser humano? O que determina a dignidade do ser humano, inviolável ontem, violável no presente? Verdade é que o “homem se tornou perigoso para si mesmo, pondo em risco a própria vida que o carrega e a própria natureza em cujo abrigo ele outrora recortava o recinto de suas cidades” (P. Ricoeur). Se até recentemente o ser humano era considerado um ser político, agora, ao que tudo indica, ele tornou-se um ser em cujo agir político sua própria vida de ser vivo se encontra ameaçada. Tal situação está conduzindo-o à perda da serenidade das coisas e o sentido para o mistério. Na regência dessa dupla perda, tudo passa a ser permitido e aceito, e os princípios do bem e do mal se tornam relativos. Neste âmbito, a desolação elimina as possibilidades de criar, extinguindo as virtualidades de toda criação. Tudo se torna produto e mercadoria. É, porém, salutar recordar que o humano da pessoa é um constante emergir. A identidade humana está sempre presente em cada estrutura, desde a concepção. Desde este instante é em si indiviso, mas distinto de qualquer outro ser. É nesta elaboração singular que reside o concreto em todo e de todo indivíduo. O autêntico desejo de promover a vida não pode não guiar-se pela defesa e promoção intransigente do “que já sempre era ser” (quod quid erat esse - Boécio).
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