+ Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo Auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre
A realidade ameaçadora que vem do novo coronavírus (COVID-19) pode levar ao escândalo e ao protesto à fé. Como crer em tempos de pandemia? Há mais perguntas do que assentimento. As respostas prontas não servem, pois a situação é inusitada e é preciso refletir sobre as inquietações da humanidade. Nunca passamos por semelhante experiência, e seria inconsequente uma fé que não se deixasse tocar pela dor e a perplexidade. Essa, porém, pode ser uma ocasião para descobrir o que é essencial no ato de crer e purificar expressões de uma fé tacanha. Crer não significa ter tudo claro e provado cientificamente, quem tem fé não está livre das dúvidas. Acreditar é confiar, dar fiança. Contudo, a própria fé deseja compreender. “Creio para compreender e compreendo para crer” (intellige ut credas, crede ut intelligas), escreveu Santo Agostinho de Hipona no Sermão 43. Segundo uma etimologia medieval, crer significa cor dare (dar o coração). Indica colocar-se incondicionalmente diante do Outro: de Deus. Testemunhar a fé não é dar respostas prontas, mas transmitir a paz, é colocar toda a esperança numa verdade maior, capaz de orientar o sentido e conduzir o rumo da vida. Isso não é fantasia e nem alienação, é alteridade, empatia e solidariedade. É alteridade porque a verdade não está só em mim, há os outros com os quais me relaciono, e há também o grande Outro que cria e sustenta toda a existência. Empatia, porque a fé não resolve todos os problemas, mas garante que nenhum sofrimento é vivido na solidão, Deus está com quem sofre, e quem sofre está com Ele. Solidariedade, porque os cristãos sabem que não há caridade maior do que dar a vida pelos amigos. Jesus Cristo, na cruz, não respondeu às inquietações humanas sobre a dor, a morte e o sofrimento inocente. Ele foi solidário a todo o que sofre. A fé livra da crise de sentido, da falta de ética, e abre um horizonte de esperança singular. Mas não anula a provação, o limite e a dor. Ela ressignifica tudo. Todo que crê tem direito de suplicar por milagres, mas deve saber que não pode manipular e nem condicionar a Deus a partir dos desejos e necessidades humanas. Quem crê há de enfrentar com realismo, prudência e modéstia os revezes da vida. Se perder a esperança, testemunhará que cansou de crer, tornando-se um descrente. Se exigir sinais para confirmar sua fé, pode ser humilhado em sua falsa expectativa. Ter fé é ter uma confiança que dificilmente poderá ser entendida "de fora", e que só pode ser vivida por alguém que, na sua intimidade mais profunda, já ouviu as palavras de Cristo: Não se perturbe! Vinde a mim, eu vos darei descanso! Estarei sempre convosco! E quem crê responde confiante: Nada me faltará!
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