+ Dom Darley José Kummer
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre
A exemplo de todos, eu também estou tendo mais tempo para pensar. Nestes momentos, surgem preocupações com a situação que vivemos, mas também se revelam alegrias e esperanças. Um dos frutos que colhi dias atrás foi a inspiração do “Tarde Te Amei”, dos escritos das confissões de Santo Agostinho, no Capítulo X. Recordei vários encontros e situações da vida e de como nós a estamos cuidando. Assim nos diz o trecho: “Tarde Te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora – e fora Te buscava, e me lançava, disforme e nada belo, perante a beleza de tudo e de todos que Criastes. (...) Chamaste, clamaste por mim e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste, e a Tua luz afugentou minha cegueira. Exalaste o Teu perfume e, respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei, Te saboreei e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora ardo em desejos por Tua Paz!” Estes são dias nos quais dispomos de mais oportunidades para refletir e avaliar se nossas atitudes estão mesmo humanizadas. Começando por um zelo por nós mesmos. Neste momento, convido-te a entrares em tua beleza interior e procurar a verdade contida. Depois, com ela, e de uma forma livre e corresponsável, participares com mais ênfase de movimentos que te levem a olhar o outro. O meu exercício de olhar para dentro revelou que somos únicos diante da beleza da vida. Beleza esta que está em todos. Se não reconhecemos isso, corremos o risco da autossuficiência, que pode levar à insatisfação, aos vazios existenciais, que nos afastam justamente do encanto pela vida. Em sua voz interior, a vida clama por um minuto de atenção, para que percebamos que não somos uma ilha, mesmo em nossa beleza. Ela nos convida a perceber as pessoas que estão junto de nós, mesmo que apenas virtualmente próximas neste momento. A distância, afinal, não é um empecilho para nos sentirmos próximos uns dos outros. Se no mundo exterior a nós, há preocupações, solidão, desencontros, necessidade de proximidade; precisamos buscar em nossa linha do tempo as mais belas recordações e momentos vividos juntos, para que eles alimentem em nós o desejo do momento futuro. Precisamos reavivar em nós as memórias felizes, os princípios das relações familiares, das amizades, dos bons costumes, que haverão de retornar em breve. Precisamos nos lapidar neste tempo de reclusão, mas sempre com o olhar benevolente consigo mesmo. Só assim poderemos superar as ações incertas do cotidiano e transformá-las em novas relações humanas, afetivas e espirituais. É hora de estarmos atentos ao que não conseguíamos ver antes, o que nos causava cegueira interior e exterior. Olhar para isso agora dará sentido às novas buscas daquilo que jamais havíamos sentido ou almejado antes. Respirar é preciso! Sentir e ampliar a visão ao contemplar o horizonte que não nos afugenta e muito menos nos ignora, porque nos quer ver bem e cuidadosos uns com os outros. Ele nos encara com a luz da esperança, onde juntos poderemos reconquistar a beleza de tudo e de todos. Um horizonte que jamais se extinguirá. Somos peregrinos na esperança, que caminham sem medo, com vontade de ousar e transcender na experiência espiritual que a vida nos ensinou. É preciso sentir e olhar com o coração as pessoas próximas ou distantes, amadas ou solitárias, cuidando de cada uma. Pratique o “viu, sentiu compaixão e cuidou” dentro de suas possibilidades. Por fim, diante dos desafios que encontramos, vamos nos apoiar, falar bem, trazer fatos e recordações boas, para que juntos possamos sentir em cada ser humano que é único e amado a missão de juntos vivermos a civilização do amor. Viva a vida! Ela é linda e necessitada de atitudes humanizadas.
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